Eu me acho gostosa. Às vezes só um pouquinho (na TPM), às vezes pra caralho (no período fértil ou logo depois de malhar), mas na maior parte do tempo me olho no espelho e penso “Uau, nem um guindaste me tiraria de cima (ou de baixo do lado etc) desse tesão de mulher”.
Sim, pode anunciar por aí: contra todas as perspectivas, eu admiro meu corpo. Como não admirar? É um corpo que me carregou por 70 quilômetros em cinco dias de caminhada, alguns à altitude de 4.600 metros, quando me deu na telha conhecer Machu Picchu. Um corpo que desceu pedalando pela encosta de um vulcão em Bali. Um corpo que subiu em tecidos acrobáticos, trapézios e liras, e não apenas se pendurou — e caiu de — alturas inimagináveis como também fez isso na frente de um público. Pagante! Várias vezes! Meu corpo é um corpo que nada quilômetros na piscina e em mar aberto, que sapateia, que levanta peso, que faz massagem, que joga handebol, que dá colinho de tia pro meu sobrinho, que posa pra fotos sensuais, que luta judô, que faxina a casa, que transa, que vai à praia, que abraça, que dá cambalhota, que pula amarelinha. Esses dias saíram os resultados dos meus exames de sangue e tá tudo tão dentro dos parâmetros que, pela primeira vez, se resultado de exame fosse boletim, eu teria tirado dez de ponta a ponta. É um corpo cheio de tatuagens fodas, que ultimamente anda com o tríceps definido e tem uns pernões dignos de Roberto Carlos (o jogador de futebol — favor não tumultuar).
É um corpo cheio de dermatites e dores crônicas, algumas com as quais eu convivo 24h/dia há muitos e muitos anos? Sim. É um corpo com cabelos brancos, rugas, espinhas, pigarros, tiques, suores, mau-cheiros, marca de bexiga e vacina, piriri, lombriga, ameba, coceira, verruga e frieira? É, mas até aí… Adriana Calcanhoto que me perdoe, mas isso até o corpo da bailarina tem.
O caminho até essa autoaceitação foi árduo, como é de se imaginar. Muito mais árduo do que 70 quilômetros em cinco dias de caminhada, alguns à altitude de 4.600 metros. E claro, minha autoestima e minha noção de autoimagem mudam muito, o tempo todo, e certamente tenho muito o que melhorar nesse sentido. Mas, de modo geral, apesar de ter consciência de que esta é uma daquelas jornadas que vou empreender até meu último dia na terra, acho que posso dizer que cheguei lá. Eu não me odeio, veja só! Eu me amo, inclusive, de corpo e alma* (*processo em andamento), embora muitas vezes queira me jogar no mato — mas considerando o fato de que às vezes dá vontade de jogar no mato 100% das pessoas que amo com todo o coração, não parece nada muito absurdo.
Acho que por isso é tão, tão frustrante saber que a grandíssima parte das pessoas, tanto as que me conhecem quanto as que passam por mim na rua, não me acham gostosa. Pelo contrário: sou bem consciente de que meu corpo está muito além de um que causa indiferença — meu corpo é um corpo que provoca repugnância.
Posso falar sobre toda a complexidade da cultura do body positive em outro momento, mas o que quero dizer aqui é que posso me achar gostosa, e isso é ótimo (se achem gostosas, meninas, recomendo) — mas nem de longe isso é suficiente para suprir minha vontade de ser gostada por outrem. De ter meu corpo e suas potências admirados. De atrair olhares. De despertar desejo e tesão, em pessoas que me conhecem ou que passam por mim na rua.
Eu queria não ligar pro que acham do meu corpo, mas é impossível — e essa não é a aflição de qualquer ser humano, mesmo que em graus e contextos diferentes? Uma vez tive um sonho em que estava de pegação com um conhecido com o qual eu jamais, em hipótese alguma iria pra cama no mundo real. Assim que tirava minha roupa, ele olhava pra mim e fazia uma cara de repulsa tão sincera que esse ator onírico teria ganhado um Oscar, sério. Não preciso dizer que acordei arrasada — mesmo sendo uma pessoa com a qual eu jamais, em hipótese alguma iria pra cama no mundo real. Olha que maluquice. Tem sementes de coisas tão arraigadas lá no subconsciente que nem a terapia mais parruda do mundo é capaz de arrancar.
Claro que eu também quis brincar disso de ser desejada no modo hard. Além de gorda, eu performo zero feminilidade e, sob a ótica dos padrões atuais, sou tão sexy quanto um filhote fofinho de labrador escorregando e caindo na piscina. Quando posto uma foto mais sensual nas redes sociais, 99,9% dos comentários que recebo são de: 1) outras mulheres — algumas sáficas, que realmente querem meu corpinho nu (*emoji de lua safada*), mas quase todas hétero e fora do padrão; ou 2) pessoas com as quais eu já me envolvi romântica ou sexualmente. No caso 1, cada comentário vem com entrelinhas que, hoje, sei ler de olhos fechados. “Eu me reconheço em você, e estamos juntas nessa, então digo que você é gostosa porque é o que quero que me digam também, e você ao menos foi corajosa de dar a cara — ou o corpo — a tapa”.
Esses comentários me fazem bem, não vou negar, mas eu queria mais. Quando falo de ser desejada e despertar tesão, eu não necessariamente estou falando de algo que vai terminar em sexo. Transar envolve muitas outras variáveis, envolve outras pessoas com seus medos e suas questões e suas libidos e suas inseguranças. Eu já me contento com o que vem antes — aquele olhar que sugere que a pessoa está imaginando todas as milhões de coisas que pode fazer com você. Uma mensagem safada aqui e ali. Beijos lentos, toques furtivos e espontâneos que vêm e deixam a saudade e a vontade do que poderia (e talvez possa) acontecer.
Se enquanto lê este texto você está pensando em postar um comentário ou mandar uma DM para dizer que nada a ver, você me acha gostosa, eu sou incrível e tudo mais, eu agradeço de todo o coração, mas esse não é o propósito. E se enquanto lê este texto você está pensando que oras, ninguém é obrigado a achar ninguém bonito ou gostoso, seja ou não padrão, você acertou. O que proponho é que, sempre que sentir atração genuína por uma pessoa fora do padrão, você vá lá e diga isso pra ela. Em público, de preferência, sem ligar pro que os outros vão pensar. Sim, é preciso coragem pra se achar gostosa mesmo sendo fora do padrão — e também é preciso coragem pra achar gostosas pessoas fora do padrão.
Mas se eu consegui, você consegue. Independentemente do lado da equação em que estiver.
Uma caipira no subúrbio carioca. Uma cabeça no sendeiro criativo. “mudei • de • ideia” é o espaço da Jana Bianchi no Fantástico Guia para compartilhar as desventuras dessa eterna mudança.
eu queria ter um pouco de carinho não só com meu corpo mas com minha expressão como pessoa no mundo como um todo... gostar um pouco da minha pessoa. acho que não vem do dia pra noite, mas espero que venha... (:
Ouvi, desde muito menina, ainda começando a despertar pro mundo dos padrões, que eu era gorda, quadrada, que nada me cabia, que nada ficava bonito no meu corpo, um corpo que se transformava, meu vestido não era tubinho e sim manilha. Esse monstro foi crescendo dentro de mim e resolvi fazer greve de fome, comer só faz a gente sofrer. Por mais que eu tivesse chegado aos quase quarenta quilos, me via e me sentia gorda, dentro de mim, ainda, era gorda. Consegui sair desse conflito, apesar de até hoje ele teimar em me visitar, estou atenta a esse ser que, em momentos de fragilidade, me assalta.